Prólogo

Gostaria de explicar, ao menos entender porque comecei a escrever poesia ou algo do gênero, e como tudo começou. Minhas lembranças me levam, antes mesmo de minha adolescência, independente da minha vontade, parece ser tudo coisa da estupidez do momento ou obra do acaso. Como explicar a vida ou uma existência?

Também não se trata de um dom, escrever como faço é mais um tipo de compulsão, esta aqui é a minha. Assim, convido o leitor a tentar entender minha viagem de vida, meus pensamentos, delírios e outras loucuras próprias. O que procurava? Nem sei, mas não consigo viver sem pensar, sentir sem registrar tudo em algum lugar, o transcrito aqui é o transbordar da minha individualidade, além do suportável por ela.

Se é possível definir o que faço, o leitor verá como o lirismo, o romantismo, o niilismo e a inocência perdida se fundiram de tal forma, tornando um ser perdido e apartado do momento. Minha energia se foi, e o Universo que a tenha em bom lugar. Decidi que esse momento era o propício para iniciar este projeto, não me perguntem porque, não tenho esta resposta no momento.

Os textos postados aqui são de minha autoria , não estão em ordem cronológica, mas conforme os postarei aqui. Sempre assinei meus textos com o pseudônimo "EU". Nem tudo será poesia, nem tudo será coerente ou sábio. Afinal, posso ser tudo, menos sábio...

EU

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Menino

Fique para olhar
o tempo passar
e amar a imagem distante
de um menino
brincando com o seu destino
Era de pura alegria
o menino ria
porque não via
o fim do dia...

Eu

Borboleta

Borboletas voando
em volta do jardim
a semear pólem
de flor em flor
O sol corta indistintamente
o verde
tudo colore a paisagem.

Queria escrever assim
como quem espalha flores
num jardim.

Eu

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Praia

Da praia
o horizonte parece um prisioneiro
entre o céu e o mar.
Neste paralelo infinito, encontro-me.
Sou como este eterno desencontro
um ser envolto neste sem fim
a não se tocar.
Este sentido frio e distante
cruzou comigo
possuindo-me de esquecimento
e deixando o mundo algo nulo.
Perdi-me ao contemplar estes dois infinitos azuis.
Quando percebi o ocorrido
tudo já tinha ido
e me levado consigo.

Eu

sábado, 27 de outubro de 2007

Abismo

A poesia
trás consigo
a ilusão da eternidade
escondendo por trás
nossa triste verdade
a idade
e o que ela nos trás.

Vivendo por nós
o infinito do tempo
nos trás
um conto sem fim
transportando-nos
Assim
para além do portal
da etérea eternidade.

Prisioneiro do tempo
como todos nós
Gosto de pensar
que escrevendo
posso alongar
meu tempo
e tornar o período de espera
uma nova era.

Ainda que tudo
seja delírio
prefiro sonhar
e escrever versos sem fim
a ter que olhar
o tempo passar
por mim
e me levar
para este abismo
sem fim...

Eu

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Matando

Às vezes sonho
com você me matando
e não consigo imaginar nada melhor.
Partir
tendo como última lembrança
seu rosto...
Depois
descansaria em paz.

Eu

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Respirar

Parar de respirar
nos teus braços.
E recomeçar
um novo universo
no chupar
de sua boca.
E no vale
entre seus seios
vou descansar
para depois descer
ao seu centro.
E colher ali
o molhar
de seus suores.
E realizando
cada tremor de seu corpo
cada arrepiar de sua derme
vou deslizando
para de novo recomeçar.

Eu

sábado, 18 de agosto de 2007

Fantasmas

... e no tempo percorrido
deixo fantasmas do meu ser
que moram em dias
que já foram meus.

... e nos caminhos percorridos
meus fantasmas vão se perder
para nunca mais se acharem
nos caminhos do meu ser.

... e no tempo perdido
meus fantasmas vão viver
vão se achar na tentativa
de então me encontrar.

... e nos caminhos do meu ser
meus fantasmas vão perecer
para depois
se tornarem partes do meu ser.

...e no tempo decorrido
meus fantasmas vão colher
partes do meu ser
mas só iremos nos encontrar
quando o meu ser se perder
no fantasma que ainda vou ser.

EU

domingo, 5 de agosto de 2007

Madrugada

É de madrugada
que a luz apaga
que o sono afaga
que vem a fada
de luz apagada.

É de madrugada
que a voz cala
É que escrevo uma palavra
bem calada.

É de madrugada
e de luz apagada
que vem você
como uma fada.

E como o sono
você me afaga
bem de madrugada
bem calada
é que você escreve uma palavra
Amor
na calada
da madrugada...

Eu

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Esconder

Pode esconder-se
no céu à noite
como uma nuvem branca.

Pode-se correr
de um homem manco.
Ocultar-se em plena luz
de um cego.

Pode-se enfim
Encontrar qualquer caminho incerto
de certo
para correr de algo
basta ter-se pernas
e não ser um manco.

Para ser pequeno
precisa-se apenas daquilo
que já temos de sobra.
Precisamos de coragem
sim
para criar
sonhar alto
que da queda podemos sofrer.

Se da vida podemos colher.
Por quê?
Só escolhemos correr
e nos esconder em sombras.
Crie-se a luz
Reverta-se o que medíocre nasceu
para ter altura
merecida por nós.

Não consigo entender
nem a mim
quanto mais vocês.

Eu

domingo, 3 de junho de 2007

Quatro Paredes

E as emoções?
Estão pairando no ar
e caindo na cama
logo
nos faltará ar
Entre quatro paredes
nossos gemidos calarão o silêncio
e o vazio...
nos aproxima
mais e mais.

Agora
somos um só
logo mais
dois estranhos
De manhã
estará tudo acabado
Tudo pronto
para começarmos de novo.

Eu

sábado, 19 de maio de 2007

Cama

Deitado em minha cama
vejo o passado me assombrar
relembrando sua foto
em cada quadro que olho.

Sempre esta mesma paisagem
a tomar o meu pensar
gostaria de ti ver livre
voando ao meu redor
enquanto choro
e meu molhar
no rosto triste
sentir seu vento levar
meu gosto de mar
que vive só
para teu vôo
a levar toda esperança
que já tive um dia.

Algum dia
talvez
possa estar no erguer de sua asa
mais livre abandonar
Por hora
dobro meu olhar
para poder guardar
a lembrança de teu voar
No mais
estou em meu leito
Sem você
para poder olhar
acho que jamais
irei aprender a voar.

Eu

terça-feira, 8 de maio de 2007

ANJINHO

Dorme anjinho
porque seu lugar é no céu
Fica por aí para cuidar de mim.

Nasci para vagar
como alma penada
e ficar no purgatório.

Você nasceu para voar
e cuidar dos outros
ajudando-os a sonhar.

Queria aprender com sua delicadeza
roubando um pouco de sua gentileza
e tirando um pouco de sua tristeza.

Sou alma perdida
já toda ferida
não posso mais achar um caminho.

Me ensina a voar
me mostra o caminho
pra ficar ao seu lado.

Enquanto isso você dorme
como se faz para voltar a sonhar?
Onde você faz suas mágicas?

Conta pra mim seus segredos
deixe-me partilhá-los com você
para minha alma descansar em paz...

Eu

domingo, 29 de abril de 2007

Tormento

Vento que sopra
entre as trevas da noite
me acalenta
e leva todas as dores do mundo
que sem saber eram minhas.

Sopra e dista
este louco que existe dentro de mim.
Ser alucinado, drogado, criativo, um doido varrido.
Não sei mais viver com ele
este sem fim derretido de mim.

Que um tornado expulse minhas sombras
deixando minha pele alva novamente.
Desgraçados, malditos seres perdidos em mim.
Que os ventos levem o negro noturno
permitindo mais um segundo de sossego.

Tudo, tudo, menos esta calmaria,
os ventos que a tomem de mim,
e deixem meus restos espalhados pelo chão.
Até que reste apenas um monte disforme de ossos
E assim o tormento chegará a um fim...

Eu

sábado, 21 de abril de 2007

No Inferno

Tem gente que passou somente uma temporada no inferno, e deixou de escrever, queria ser ele, porque passei minha vida toda nele, parte sem saber, parte sabendo, nunca consegui entender, porque de tal destino. Havia feito algo de tão errado assim? Para ter nascido e vivido toda minha vida ali.

Resolvi buscar respostas, pensei, ninguém melhor para saber meu destino que o Príncipe das Trevas, Satã em pessoa, fiquei procurando anos a fio, os mais distantes deles diziam que ele estava logo ali; é fácil encontrá-lo, porém, os mais próximos dele, nada sabiam ou falavam; não é possível falar com ele, ou mesmo vê-lo. Pois como era uma entidade, encarnação do próprio mal, não poderia ser corpório, apenas um ente reinante. Engraçado, já ouvi falar isto pela boca de outros, que não moravam no festim diabólico.

Pensei, então, seria como o mal, a desgraça, algo indistinto, que as pessoas só aderem a eles, porque são humanas, vivem, e vivem para si próprias, e como todo mal é antes de tudo egoísta, egocêntrico e hipócrita, quando assim agimos, temos que ludibriar os outros em nossa volta, pôs todo o grande mal é secreto, feito em segredo, o poder maléfico é antes de tudo sorrateiro, uma má intenção, um objetivo cruel, egoísta ou mesquinho, é sempre camuflado por discursos e atos nobres.

Nenhum príncipe, nenhum idealista, nenhum amante faz maldades, eles agem em nome do bem geral, do amor, dos ideais nobres, afinal, todos são salvadores da humanidade, mesmo que a coitada nunca quisesse salvadores! Eles aparecem aos milhares, como os santos, o céu deve está apinhado deles. Aí pensei talvez por isto não podia viver lá, o céu está cheio, afinal, todos são bons, todos adoram o bem, o amor e o praticam de forma diária.

Parece que me lembrei de Fernando, o Pessoa, então eu sou o único egoísta, egocêntrico, fazedor de maldades, enquanto todos os outros estão cuidando de salvar a humanidade, e engrandecer o espírito humano, fica um ser insignificante se perguntando porque passa sua vida no inferno. Estava lá porque merecia!

Mas voltei meus pensamentos de novo, e refleti, hora, se quem pratica o chamado bem, não é o mesmo que se diz bondoso, como poderia saber, afinal, quem era o bom e o mal? Ou melhor, o bem e o mal. Poderia estar enganado? Ou não haveria, no fundo, diferença entre as duas entidades, apenas, dependeria do ponto de vista, que olhássemos o prisma, faces da mesma moeda.

Indo um pouco além, intuí que a diferença entre os pecadores e os outros, é que os primeiros assumiam o que faziam, o que queriam fazer, sem se preocupar com os outros, camuflando seus vícios e defeitos, aparentando qualidades que nunca tiveram, foi aí que descobri porque passei minha vida inteira no inferno! Para tal bastava ter consciência, ter incertezas e passar a vida pensando nelas. Eis companheiro bem vindo ao inferno! Mas estou em boa companhia afinal gente como Rimbaud, já passou por aqui, outros vivem a séculos aqui, como um tal de Dante.


Eu

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Brilhante

E se tudo for loucura?
Que ao menos seja pura.
E se tudo for decadente?
Que seja de forma brilhante
e indecente.

Por um instante
tão distante
eu me vi brilhante
que num instante
ficou distante.

Eu

sábado, 14 de abril de 2007

Carta

Sou como o Universo,
sempre estive ali,
sempre vou existir para você,
represento o que de mistério a vida ainda pode ti levar,
entre o amanhecer e o por do sol,
entre o teu sonhar e o mundo do teu prazer.

Sou como cada segundo que não pertence a você.
Um fundo de céu,
como a paisagem que te cerca e acalenta cada temor,
cada sonho seu.

Quero me afastar de você,
tanto como quero que a vida me leve para qualquer lugar,
queria que fosse para longe de você.
Já pus nisso decisão, loucura, ato, força.
Mas você parece não querer,
gosta de arranhar minha loucura
como se fosse sua própria pele.
Você parece gostar de me ver sangrando
e de fazer o mesmo com você.

Eu sei que o mundo do teu sentir, me pertence,
mas teu sentido assim me faz sangrar,
minha alma ao lado de você cospe seu último limiar de vida.
Desfazendo-me assim só vou conseguir ti alimentar por mais alguns instantes.

Entre, o não conseguir dormir,
o não conseguir me alimentar de mais nenhum outro sonho,
esbarro com seu ser.
Algo como flutuar entre teus pensamentos,
sabendo de cada suspirar seu.
Já ti disse não conseguirei viver entre a loucura de ti ter
e o sonho de nunca mais ti ver.

Deixe-me, ou cuida de mim,
vive comigo ou me solte para ter minhas últimas viagens de vida.
Ficarei em paz se não olhar mais para você,
tanto quanto não conseguirei mais respirar.
O levantar do sol me avisa que existe um corpo em mim,
meu ser é mortal, por mais que perto de você
ele se esqueça disso.

Sem poder agir, sem poder fugir, sem querer fingir. Estou aqui.
Pode ser que seja ti esperando,
pode ser que seja desesperando,
pode ser que nem seja,
que nem eu mesmo saiba,
se tudo é mero acaso de ainda continuar ti amando...

Eu

terça-feira, 10 de abril de 2007

Ser Plural


Ser plural como o universo
Ter cada paixão
como se fosse a última
Ter na loucura
um bicho de estimação
Ter na cabeça
somente a idéia de fazer você feliz.

Girar e voltar a cada sentimento
Ter somente o desespero
como o único companheiro
Ter na mente algo inteiro
como única saída
Ter perdido tudo
mas não ligar para isto.

Já tive tudo um dia
Agora, estou distante
Queria algo de mim
de você, de todos
quem sabe
nem você saberia o que seria.

Eu

domingo, 8 de abril de 2007

Aniversário


É dia
e a luz oblíqua
morre virgem
na parede nua.

É dia
e a brisa envolve
a cortina em balanços leves
como dois amantes
sol e lua.

É dia
que a cor parece pura
traços soltos e vistos
por quem almeja
sua sombra em luz.

É dia
e os pássaros
voltaram a cantar
para se verem livres
de seu algoz humano.

É dia
e mais velha um dia você vai ficando
e se perdendo em mais um ano
vai se encontrando.

Na imagem refletida por seu espelho
marcando tão bem a passagem só de ida,
que um dia compramos, por nos terem dado à luz
mas foi só por um dia.

Eu

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Lago

Nesta manhã
eu acordei chorando tanto
que criei um lago.
Vi minha imagem nele,
até me apaixonar por ela.
Até que parei de sentir pena,
do meu egoísmo,
do orgulho ferido,
do tempo perdido.
Depois,
me banhei nele,
até me afogar.

Eu

domingo, 1 de abril de 2007

Pessoas

Existem pessoas
que sem pedirem licença
entram pela vida da gente.

Existem pessoas
que marcam o passo,
de tão vazias que são.

Existem pessoas
que passam pela gente
mas não passam,
ficam eternamente.

Existem pessoas
que passam pela gente,
mas não passam
porque a vida não passa por elas.

Existem pessoas
que passam
e quando passam
você tenta acompanhar o passo
mas perde o compasso.

Existem pessoas
que estão tão altas
quando passam pela gente
que nem alegres ficamos.

Existem pessoas
que depois de passarem
nem esperança nos resta.

Existem pessoas
como você
que quando passam
a gente disfarçar
é porque quem passa
vai marcar sua vida.

E se não passar
nem esperança nos resta
e se passar
é como sempre tivessem passado
e se embora for,
nem passado nos restará.

E se passar
é a vida que passa
e a gente tenta acompanhar o passo
e se perdemos o compasso
é porque você estará
passando tão alto
como qualquer estrela faz
quando sozinha está.

Deixando a gente a pensar
no brilho que seria
passar a vida ao seu lado.

Eu

ILUSÕES


Falar em Amor, não é amar.
EU



Quando me oculto e recolho meu sentir, percebo detalhes interessantes sobre o mundo. Ultimamente, fico a observar pessoas, e vejo como muito de nosso mundo é fantasia, ilusão e sonho.

Determinadas palavras são usadas para espelhar situações, que nada tem haver com o que fazemos ou somos. Sem dúvida sinais claros de imaturidade, e falta de consciência de si mesmos. Tal duplicidade de comportamento sempre existiu, mas os meios eletrônicos, a Internet, Orkut e ou sites de interação interpessoal. Aliado a avanços na área de fotografia digital e na medicina de embelezamento. Estão expondo de tal forma estes comportamentos, que chego a crer em loucuras coletivas.

Pensar em ser livre, sonhar com liberdade, falar na mesma, nada tem haver com o fato de ser livre, pois se trata de um exercício, algo que deve ser parte de um passado ou presente. Continuamente renovado.

O mesmo posso dizer do amor, é um sentimento, que vai muito além da atração física, pois como a liberdade, o amor é reflexo de uma efetividade, as relações afetivas devem modificar as pessoas, caso contrário estas pessoas amam somente a si próprias, novamente, um comportamento infantil e egocêntrico. Acho mesmo que vivemos em uma sociedade, em que poucos amam, porque amam somente a si próprios. Ora, não se ama alguém em discursos, em propaganda, se ama alguém, dentro de uma relação de troca, em que ambos os pares do casal, cresçam e amadureçam. Amar é um exercício diário de convivência, buscando objetivos em comum, ou um precisar mútuo de troca de afetividade. Diria mesmo quem mais ama, como quem mais é livre, não precisa da propaganda, da fantasia, porque já vive concretizando o que os outros apenas propagam.

Parece que no mundo atual as pessoas que mais falam, nada tem a dizer, as que mais aparecem, nada além do que aparentam, ou seja, um vazio, ecos vazios de si mesmos. Como um jogo de múltiplos espelhos a rebater infinitas vezes o nada, basta a quebra de um deles, para vermos a farsa. Um mundo real de farsantes se passando por seres. Bem vindo senhores as minhas viagens.

EU

Ser Sábio


Já houve um tempo em que acreditava no conhecimento, na cultura, procurava erudição, parecia ser o caminho para ser sábio, entender o mundo, escolher o melhor, chegar próximo à perfeição. Mas neste caminho acabei por perder o rumo, não sei bem como começou, era tudo muito fácil, aprender, entender e progredir, sobretudo a idéia de tornar-me um ser humano melhor mais capaz e lúcido.

Porém, parece mesmo que não podemos viver entendendo a vida, ela não é um acontecimento para ser apreendido, mas ser sentido. Perdi-me na racionalidade ou quando comecei acreditar na racionalidade da vida, como forma de progressão de meu espírito, só muito tempo depois percebi, o que nos faz ser, seres melhores é a afetividade, só existe troca verdadeira, quando estamos dispostos a nos entregar ao momento.

Nos campos das idéias se dá oposto, não podemos nos entregar a elas, devem ser vista com desconfiança, critérios e exatidão. Como é possível que a ciência e o conhecimento a respeito do mundo, da vida, nos afaste do sentimento, ou mesmo sentido da vida?

Parece mesmo que a verdadeira sabedoria é ser capaz de conciliar, esses dois extremos, o exercício de fato de nossa existência com a capacidade de entendimento do fato de nossa existência. Uma contradição sem dúvida, pelo que pude perceber, tarde demais, é que somente pela entrega afetiva tal união de universos poderiam ser feito.

Proceder assim é quase uma arte, da qual não temos o controle, pois vários fatores convergem para que sejamos capazes ou não de realizar essa união. Percebi tarde demais que não poderia fazer uma escolha racional, dado que a formação de uma personalidade, não se dá através delas. O caminho que nos leva até um ponto qualquer de nossa existência, não é algo que possa ser pensando, dirigido, de forma a obter essa verdadeira sabedoria.

Portanto, ser sábio não é uma questão de simples obtenção de conhecimento e cultura, mas ser capaz de conciliar eles, com experiência de vida afetiva, todo conhecimento tem limites, como toda a experiência, ser sábio é conhecer estes limites, sabendo que uma vez ultrapassados não poderemos mais voltar atrás, como a perda da inocência, é um fato único, uma vez cruzado o portal, não mais teremos retorno, e ao que tudo indica foi o que fiz, como todo estúpido que pensa ser sábio.

Deste modo, perdi por completo o prazer em viver, porque percebo o momento antes de ocorrer, viver depois da quebra do mistério, é existir de forma indireta, como se estivesse controlando uma marionete de mim mesmo, num palco em que não sou o diretor, nem o autor da peça, apenas passei a ser um membro da platéia que já sabe o fim da peça, antes mesmo dela começar.
Eu

O ESTILO

Em texto anterior, falei que sobre o fim da arte como categoria histórica, pelo menos como a conhecíamos. Mas nos tempos modernos, aonde todos podem ser “artistas”, é a forma, o como fazer, que diferencia um artista dos outros mortais, talvez a verdadeira arte moderna. O estilo é, fazer algo, alguma coisa de forma ou jeito especial. O estilo é a construção de um modo de se conduzir próprio, que não precisa de conteúdo significante.

Desta forma um animal pode ter estilo, porque boa parte da raça humana não tem conteúdo significante. Assim, os gatos costumam ter muito mais estilo que a maior parte dos humanos. Agir de forma singular é a base do estilo, é claro nem toda a singularidade tem estilo. Ser singular apenas, não faz uma pessoa ter estilo, mas agir de forma singular consistentemente, é à base do estilo.

Como o estilo pode ser racional ou não, instintivo ou não, todos os seres podem ter estilo. Até os loucos. Mas ter estilo, viver com estilo, com conteúdo e forma, é um passo adiante, talvez seja a nova forma de arte. Não apenas agir com estilo, mas ter estilo no que faz, e qualidade do que faz. É o estilo em dobro, forma e conteúdo.

Assim, podemos perceber estilo apenas nos movimentos de uma pessoa, o fazer já a determina, ela já faz arte, mas o verdadeiro artista é aquele que sabe se mover, mas também sabe para onde está se movendo. Além de ser, ele sabe, e sabe que é, ou seja, o verdadeiro artista tem consciência de ter estilo, e o utiliza-o para expressar um conteúdo significante.

Uma mulher sensual tem estilo, com consciência de tal fato, é uma artista, mas quem sabe além, é usar o que sabe para fazer um conteúdo, é genial. O estilo é a marca da genialidade, um ser singular que se diferenciou por diversas formas das outras pessoas. Mas existem pessoas que tem estilo, mas quando o usam com consciência, perdem o mesmo, é a caricatura, o canastrão, o esteriótipo. Em suma, perdem a naturalidade quando a racionalizam, não evoluem quando tentam dar conteúdo significativo ao estilo, e em nome deste objetivo perdem o estilo de forma. Portanto, se perdem por completo.

O mundo atual vive em torno da moda, do modismo, nada mais que um estilo fabricado, mas quem tem estilo, não é vanguarda de modismo, mas pode ser copiado. É antes de tudo, um ser humano que se completou, tornou-se uma figura única, pode ser só na forma, sem conteúdo, pode ser nos dois. Mas conteúdo sem forma é a arte do passado. No mundo moderno, a forma, o fazer, o agir é o estilo, pode ser desde beber água no gargalo de uma garrafa, até ser solista de uma orquestra, o estilo não está ligado, necessariamente, a uma complexidade ou ao domínio de uma técnica.

Ter estilo é fazer algo simples, de forma que a mesma seja notada. Ter estilo é ser notado, mas ser notado, não é aparecer, ser conhecido. Pode ser, que alguém com estilo seja notório, mas a notoriedade não faz alguém ter estilo. As centenas de celebridades sem estilo são a prova viva. Dá mesma forma existem modelos com estilo, e modelos da moda. Como poucos são capazes de identificar quem tem estilo, dos que apenas estão na moda. O estilo passa muitas vezes desapercebido.

Por sinal, as carreiras com maior necessidade de estilo, são as mais notórias no mundo moderno, modelos, atores, políticos e tantos outros performáticos da aparência, precisam de estilo, fabricados ou não. Por que ter estilo, também é bom senso, bom gosto, equilíbrio diante da situação, saber e controlar o tempo. Não é possível esperar um estilo de conteúdo num modelo de 14 anos, mas podemos ter certeza que o estilo da forma, neste caso, está ligado à aparência física, é certo que a grande maioria serão apenas marionetes pré-fabricadas, a moda, ou estilo artificial.

Determinadas atitudes, tomadas por pessoas diferentes, uma pode ter estilo, já na outra, ser mero reflexo da moda. Ter estilo não é ser cool, mas saber agir conforme a ocasião, ter feeling, para distinguir quando e aonde, eu posso fazer determinado ato, e a forma de fazê-lo, saber a dose certa, quase por instinto, porque aquilo é natural para você, ter estilo é ser natural, agir como você em qualquer ocasião, quem tem estilo, conhece o mundo, no entanto, age como se ele não estivesse ali. Ser natural é ser você, ser o que sua personalidade é, e não representar algo distante, ter estilo, é ser seu próprio personagem, sabendo seus limites e agindo conforme eles, a despeito da situação.

Ignorar o mundo com o estilo, não é ser anti-social, mas agir de tal forma, que o mundo em sua volta se molde a sua vontade ou o deixe agir, percebendo em você uma naturalidade para a transgressão, a quebra de limites, enfim, ser você, sem invadir o espaço alheio ou fazê-lo com uma permissão tácita do meio social.

No mundo atual, ter estilo, muitas vezes é confundido com a sedução, seduzir pode ser uma arte, mas quem tem estilo vai além da sedução, porque sabe que esta forma de agir é infantil, crianças não têm estilo, ao contrário dos animais. A sedução com estilo, tem que haver a entrega final, ou seja, ter coragem para apagar o incêndio que você iniciou. Também é saber ser solitário, multidões não tem estilo, o estilo é elite, e elitista, por sua própria natureza, porém, não é fútil, nem esnobe.

Não somos alegres ou tristes, mesmo porque, antes de tudo não somos estúpidos, ser alegre, ou aparentar alegria de modo contínuo é sinônimo de vazio na forma e no conteúdo. Mas quem tem estilo, sabe rir de si mesmo, sabe brincar com outros e a vida, contudo, sabe quando tem que entrar em guerra com o mundo.

Eu

sexta-feira, 30 de março de 2007

O Fim da Arte


"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente"
Fernando Pessoa


Não faltam textos atuais descrevendo o fim da Arte, e que sua função histórica deixou de ter sentido. Sem dúvida, em todos os lugares existem mostras de que a manifestação artística se afastou das bases sociais de sua gênese. Se entendermos a Arte, em sua forma mais primária, como manifestação singular de uma dada cultura, historicamente localizada. Sendo elemento de integração, explicação ou mesmo lúdico, necessários ao convívio social. Um ente agregador, quase um reflexo das condições da vida humana, sua existência, bem como, a superação mágica dos obstáculos reais. Tínhamos uma arte engajada, como parte indissociável do mundo que a produzia. De tal forma que não poderíamos entender um momento histórico, sem termos a noção das manifestações artísticas. E muitas vezes, só existia a possibilidade de estudar um determinado período da história, através dos legados deixados pelos artistas da época.

Podemos entender o descrito, como uma relação simbiótica entre a arte e a cultura de uma sociedade, arte era cultura. O desenvolvimento social, a cultura e a arte andavam juntos, como a sociedade da Antiga Grécia nos demonstra de forma lapidar. Podíamos mesmo, medir o grau de desenvolvimento destas categorias, estudando cada uma delas isoladamente.

Porém, algo ocorreu no decorrer de nossa história, em algum ponto a dissociação entre cultura, sociedade e arte se efetivou. O ensaio aqui não está voltando para determinar esse momento, mais, sobretudo entender ou tentar entender se a Arte como conhecíamos se perdeu, ou se a própria manifestação artística deixou de ter um significado social, ou mesmo, a perda do paralelo com próprio processo cultural. O que é hoje uma obra artística? Um artista? Qual é o papel deles no mundo moderno?

O conceito

Do ponto de vista terminológico, o conceito arte é antes de tudo um domínio de uma técnica para expressar um conteúdo, unindo-os de tal forma que ambos eram a expressão de uma vanguarda social, fazendo com que novas barreiras fossem rompidas. Sendo a gênese de novos horizontes e visões de mundo. Porém, a certa altura, a arte deixou de ser a vanguarda da técnica, de como fazer algo da melhor forma, o termo atual é tecnologia. A tecnologia tomou da arte a vanguarda da forma de produzir, a arte do fazer técnico, sem se preocupar com o conteúdo da produção. Não se procurava mais um produto único, cujo o conteúdo o diferenciaria dos demais.

O Artesão, um misto de artista e técnico, foi substituído pelo Operário e o Inventor/Cientista. A partir deste ponto, nunca mais a arte seria a mesma. O principal processo criador da sociedade humana passou para a tecnologia, impulsionado pelo capital a serviço do lucro. A Arte perde assim seu primeiro papel histórico. Outro ponto de ruptura, foi a perda com controle das fases da produção de sua obra por parte do artista/artesão, algo cada vez mais distante da arte atual, cada vez mais dependente de múltiplos processos e objetos, toda uma infra-estrutura.

O artista ainda teria que dominar uma técnica, mas, agora, ficava a serviço de sua criação ou da reprodução de sua criação. O autor e o interprete ora sendo uma única pessoa, ora sendo pessoas distintas, ainda eram os “verdadeiros” artistas. Porém, uma vez apartada a arte, da produção, o artista teria que sobreviver da venda de suas obras, não mais entendidas como um produto socialmente necessário para a sobrevivência da sociedade, mas como algo a ser admirado pela excelência de seu conteúdo e técnica de execução. A arte passou para um mundo sem utilidade econômica. Assim, surge a figura do Mecenas, aquele que sustenta o artista, para que o mesmo produza suas obras, ora encomendadas ou feitas graças ao sustendo propiciado pelo seu bem feitor.

Esta dicotomia ou dualidade sobrevive até os tempos modernos, como a eterna luta entre o livre pensar, produzir e as necessidades de sobrevivência do chamado artista, fala-se, modernamente, em arte comercial ou feita para se tornar uma mercadoria com preço de venda, capaz de sustentar o autor da obra com seu ofício. Ao contrário de antes, quando a arte era produzida por aqueles que a faziam como deleite, ou mero exercício de seu lazer, após ou durante o trabalho.

A tecnologia como arte

Mas durante o século XX, sobretudo, a tecnologia antes restrita a alguns setores da produção de bens, avança sobre todos os outros setores, de tal forma que as figuras do autor e do interprete começam a sofrer grande erosão. Os recursos audiovisuais, a gravação de som, filmes e as fotos, retiram da arte, o papel de registrar seu tempo, de ser um reflexo íntimo da cultura que lhe deu origem. Em suma, o processo artístico deixa de ter qualquer relevância no processo social, passando agora a uma manifestação sem raízes históricas, mas como veremos a seguir, o avanço da tecnologia ainda produziria mudanças mais radicais, na medida que a tecnologia a serviço da empreitada comercial, descaracterizaria ainda mais a noção da arte.

Além do mais, o avanço da técnica e o desenvolvimento do chamado mercado de obras artísticas, tratados como investimento dado o seu valor como obra única, fez surgir um mercado milionário das falsificações, tornando-se, por vezes, impossível distinguir a obra original de suas cópias, ou mesmo de quadros e outras obras de artes atribuídas a autores, sem que jamais fossem produzidas por eles.

A verdade é que o surgimento e o desenvolvimento de uma série de novas tecnologias, tais como:as áudio visuais, a eletrônica, os computadores, as comunicações, fez com que o artista, não mais necessitasse de uma técnica para realizar seu produto ou facilitou de tal forma aprendizado da técnica, que qualquer um poderia ser “artista”. De certa forma a exposição permanente e diária de qualquer pessoa, faz com que a mesma possa representar sua própria vida em forma de arte. De certo modo vivemos todos num grande palco, aonde qualquer pessoa pode se apropriar das formas de expressão que antes eram acessíveis apenas aos iniciados, ou seja, aos artistas.

A desumanização

A Arte, ou a função social ocupada pela manifestação artística, foi substituída pela diversão, o entretenimento, na verdade o espetáculo. No espetáculo a forma, a técnica se sobrepõe de tal forma ao conteúdo, que a noção de arte se perde. São como os Big Brothers da vida, ou toda a gama espetacular de diversão, aonde nada é feito em função da cultura humana, não existe ética ou questões complexas no espetáculo, ele é feito para “entreter” tão somente. Como os filmes de Hollywood, são antes de tudo grandes empreendimentos técnicos com objetivo de lucro.

É certo que ainda podemos identificar manifestações ou obras artísticas em nosso meio social, mas são a chamada cultura marginal, ou algo para uma elite, um gueto. O que move as massas são os espetáculos. Vivemos num mundo em que o ser, o ter, foram suplantados pelo parecer. Todos podem ser artistas, o discurso, se dissociou das práticas, todos são performáticos, todos agem de maneira diferente na frente das câmeras. A interpretação da vida é algo do cotidiano, ao alcance de cada habitante das novas sociedades tecnológicas. Aonde o desperdício, o aparecer, o consumir, levou a uma total perda de referência de valores. Cultuamos hoje mais objetos tecnológicos, como aparelhos de telefone celular, tvs de plasmas que as grande obras clássicas escritas no decorrer dos séculos. A felicidade pode ser comprada, e a vida feliz pode ser contada, melhor, reescrita para melhor iludir o seu próprio autor.

Todos são artistas

Os meios tecnológicos disponíveis fizeram com que cada habitante do planeta possa contar sua própria versão de vida, sua autobiografia instantânea, sua felicidade, seu mundo perfeito e maravilhoso, todos podem ter seu álbum de fotografias, seu perfil no Orkut, para que todos possam visitar, é claro com milhões de poses possíveis, chegando mesmo ao grotesco, ao escatológico. Como poderia dizer Fernando Pessoa, nestes perfis todos são inteligentes, sensíveis, honestos, autênticos, seres perfeitos. Menos humanos. Podemos fazer nosso próprio show, ainda que, não exista nada de relevante nele, sendo apenas imagens repetidas ao extremo. É a forma vazia, ou o vazio como conteúdo.

Da mesma forma, todos são modelos, artistas, jornalistas, escritores, poetas, nunca o charlatanismo esteve tão em voga, é na verdade uma das facetas da sociedade de voyers que nos tornamos. O espetáculo não é um universo de imagens, conceitos, idéias, mas uma relação social entre telespectadores, ou seja, uma relação social mediada pela mídia. Não é um apêndice do mundo real, mas o palco do irrealismo da sociedade real. De certa forma é a nova arte, ou o fim da arte enquanto conteúdo significante.

EU

segunda-feira, 26 de março de 2007

Elo Perdido

"O homem mente a verdade"


Este pequeno ensaio pode ser visto como uma viagem para entendermos a aventura humana no Universo conhecido, não é de modo nenhum um estudo exaustivo, mas tenta, sobretudo, ser inovador e questionador sobre a caminhada humana através dos tempos.

A existência é um estado captado pela consciência, é um fato: concreto, abstrato, cultural ou natural. É anterior a ética, a moral, a atribuição de valor, principalmente, anterior a própria consciência. Do ponto de vista da existência não importa a vida ou a morte, o positivo ou o negativo, o bem ou o mal. Estes conceitos neste sentido não são opostos, sequer contraditórios, o que se contrapõe à existência é sua ausência, se algo não existe, inexiste. Assim se falarmos sobre algum tema, ele já existe! Chegamos então a existência humana -concreta e natural-. Nesta, a dimensão superior é o tempo linear, ou seja, de que maneira o tempo age sobre a nossa existência ou da consciência de sua existência - aqui tanto faz, ninguém pode falar da existência se não tivermos a consciência de existir -. O tempo, neste caso, produz mudanças físico-mentais no homem e nas estruturas sociais, quer a nível individual, quer a nível coletivo. O grau percepção que cada ser tem de si e do mundo em sua volta(as outras existências), distingue o seu patamar de abstração, evolução, ou seja, o qualifica a transcender a si mesmo.

Através da história humana, o homem sempre buscou justificação para sua existência (aqui o princípio e o fim da vida biológica), para o fato das coisas existirem, tentando dar sentido a algo que é anterior a ele, a por ordem no caos. Está é a primeira necessidade mental do homem. Quase tão forte quanto aquelas ligadas a sua biologia, no entanto, é necessário para sua exteriorização um mínimo de consciência. A civilização, à cultura humana surgem aí. Pensar a existência do ponto de vista da valorização, é uma criação da cultura humana. Atribuir sentido a sua existência é a última etapa da transcendência(da superação), para tal é necessário uma ética, uma maneira de se conduzir não caótica, não natural.

Da necessidade humana de buscar sua origem e a do mundo que o cerca, surgi à revelação, o mundo mágico da mistificação e por último a religião. A mistificação é a primeira utopia humana, a primeira idealização da vida, neste ponto a religião se apropria do sentimento místico, a fé e os cristaliza em uma instituição. Após, a evolução cultural leva o homem à ciência, a observação, a utopia humana mais acabada, assim, a principal diferença entre as duas utopias é o grau de percepção, que cada uma tem da existência. A mistificação serve ao ser que precisa de um envolvimento afetivo com o ato de viver, à ciência aquele que busca um envolvimento racional com o ato de viver.

Na explicação da existência, a ciência é superior, mas não satisfaz a ânsia dos instintos humanos, contudo na medida que um ser evolui no grau de consciência sobre si e o mundo que cerca, tende a não oposição entre as duas utopias. A relação da ciência com a mística foram se modificando, no princípio existe um atrito forte entre ambas, como a conquista científica foi tomando vulto a cada instante, os místicos, as religiões, passaram a tentar cooptar o método científico para suas teorias. Não atentaram, porém, que a diferença entre as duas não está somente no método de estudo(Lógico-dialético), mas sim na maneira como se encara a existência, seu surgimento, sua função.

O papel da ideologia é fundamental para a distinção entre a mística, o senso comum, do discurso científico. O discurso científico é marcado pela explicitação ideológica, ou seja, na medida que a ideologia aparece no discurso como algo a ser estudado, mas o aproxima de seu caráter. Assim, a ciência assume sua ignorância, questionando sempre o conhecimento para ganhar autenticidade, realidade, enquanto nos outros discursos, a autenticidade se faz sobre a negação da dúvida, afirmando uma certeza dogmática.

O método científico aparece com a observação de fenômenos naturais, uma vez descobrindo-se seu mecanismo, suas leis, passava-se a recriação da experiência, o empirismo-lógico. Para crescer em complexidade para entender as relações humanas, com o método concreto dialético. Neste, a dualidade, a contradição, a oposição aparece como partes de uma mesma realidade, como ocorre no ato de existir. Assim, a existência humana não é somente natural, o homem desde seu surgimento agiu sobre a mesma para modificá-la. As formas humanas de criação, em geral, não apresentam similaridade com as da natureza, da mesma maneira o comportamento humano é diverso dos outros animais. Não é o caso de comparações valorativas, mas sim de reais diferenças, o homem não é superior ou inferior é diferente, mais complexo.

A dialética é o método científico mais acabado para entendermos como se dá o ato de existir. Este fato é contraditório em sua origem, para algo existir é preciso por oposição a não existência(!?). Assim, tudo existe! E tudo sempre existiu! Apesar da vida biológica ter surgido em nosso mundo há pouco tempo. Na dialética, os contraditórios se complementam como também se explicam. A condição para a existência biológica é a contradição, o conflito, pode ser para sobreviver ou para o simples prazer, no caso dos homens. As relações humanas se estabelecem em torno de interesses conflitantes entre a necessidade e o livre arbítrio, o poder e a liberdade, etc. . Para haver dominantes, terão que existir dominados, cada categoria gera duas faces.

Chegamos então a valorização. Valorizar é atribuir sentido à existência, a vida. É através de uma escala valorativa que isto se faz, é priorisando determinadas categorias em prol de outras, elegendo determinada maneira de existir como a melhor. Toda vez que agimos em função de princípios valorativos, está buscando dar sentido ao caos humano. A utopia em sentido amplo é o caldo valorativo por excelência, não o bastante, porém, para explicar, justificar ou abarcar todo o complexo valorativo, o perigo reside não na utopia em si, mas em nome dela passarmos a julgar o fato de existir de maneira diferente, a intolerância. Este é o campo da moral, é o desvirtuamento da tentativa de atribuir sentido à vida, em nome do julgamento da própria existência, uma castração ao ato de viver em prol de uma escala valorativa imutável, a temporal e dogmática. Do outro lado existe o campo da ética, atribuindo mais importância ao ato de viver em si mesmo, como bem maior, respeitando as diferenças das utopias e seus relacionamentos, questionando sempre seus valores, suas escalas, a luz da pluralidade e da mutação que o tempo e o espaço exercem sobre a sociedade e o conhecimento humano, como toda categoria dialética. Assim a ética está para a ciência, como a moral para a mística.

O pensamento humano, sua imaginação são o espelho do caos. Somente quando o homem constrói uma cultura, uma produção, age com sentido, se contraponto ao anarquismo biológico. O mundo natural não é caótico, é probabilístico e regido por leis. Se comparado ao mundo cultural é sem sentido, porque sua organização não é realizada a partir de realidades culturais. Este conflito não pode ser analisado por um método lógico, sistemático, mas tem natureza dialética. O método dialético é ético, na medida que busca a totalidade, não só como necessidade científica, mas porque reflete a realidade humana como se apresenta.

Assim, para a teoria marxiana, a História nasce de suas próprias condições, da realidade. Não existe um sistema da história humana, ela é uma construção realizada através de atos. Tem natureza acumulatória, tem sentido e progressividade. São os sucessivos modos de produzir criados pelo homem, formas de organização social, cada qual buscando mais eficiência. Este fato, não é uma lei positivista abstrata, contudo, trata-se de uma constatação empírica de nosso passado. Quase todo método dialético é suscetível às condições históricas, modificando-se conforme sua base real se transforma. Os atos humanos individuais ou coletivos - entes, grupos ou classes sociais - podem não ter uma relação de causa e efeito, ou interagirem necessariamente. Não são sistematizáveis. O homem tem o poder da abstração, da consciência e por isso é um ser que se auto-engana, se idealiza, idealizando o mundo em sua volta.

O caos não é natural, não nasceu da probabilidade, da física, da biologia. O mundo natural jamais foi caótico, anárquico. Sempre obedeceu a leis, a princípios lógicos, sempre foi previsível, medível, quantificável e observável. O caos é um fato cultural humano, nós como seres biológicos conscientes e pensantes, inexplicáveis segundo as leis criadas por nós, para explicar o mundo natural que nos cerca. O aparecimento da fé, de nosso criador, justifica o aparecimento do caos, o verdadeiro, que é caracterizado pelo surgimento da espécie humana.

A gênese de um animal, que não é somente um ser biológico, é o único acontecimento caótico do Universo conhecido, e Deus é a prova de tal fato. Como um ser onipresente, dirigiu e criou o teatro universal, o qual, nossos cientistas cultuam como divindade. O caos humano vai muito além de nossa imaginação, de nossa capacidade cerebral, porque rompe com a relação causa e efeito natural, deixa tão tonta nossa ciência técnica, que vaga em busca da metáfora da caverna de Platão. Assim, um animal biológico virou Deus, um ser sem existir, um ser sem biologia, o corpo humano, foi relegado à morada descartável da cultura.

O homem expulsou a natureza, o mundo natural, a entropia do paraíso. Nunca mais o tempo será o mesmo, nunca mais às estruturas ecológicas serão as mesmas. O homem tornou obsoletos à mutação, à procriação biológica, à adaptação para sobrevivência. O demônio humano com sua cultura destruiu a paz universal, feriu de morte o fatalismo natural. Alguns acham que a natureza, sua entropia, maltratada e prostituída pelo uso de suas próprias leis, por seu filho pródigo, e agora cafetão, que a surra e engana a cada momento, vai um dia se vingar, pode ser, mas nunca ocorreu em seu próprio mundo, aonde a lei é dos mais fortes.

A roleta está viciada, a probabilidade morreu na mão do jogador trapaceiro com seu método caótico cultural, que se modifica, modificando a si próprio, como no jogo entre dois espelhos, a repetir ao infinito uma mesma imagem, ou infinitas imagens. Agora, estamos sós, com nossa criatura, a cultura humana, não pode ser entendida a partir de seu início, mudaram as regras do jogo, com o jogo em andamento, e elas continuam sendo mudadas. O trapaceiro enganou a si próprio com seu jogo. Quando encontra o caminho, pensa estar errado, porque continua pesando no paraíso, sua ordem, sua lógica. Precisamos começar a caminhar para frente, chega de círculos, é preciso coragem para destruir o método lógico empírico. Libertarmo-nos das amarras que nós próprios criamos. Porque nunca estivemos no paraíso.

EU